Peguei vocês! Não é a maldita “Saga do Clone” dos anos 90; não, estou falando da Saga do Clone original, lá dos anos 70, em que o vilão conhecido como Chacal, codinome de Miles Warren, fez o impensável. Miles era o professor de biologia de Peter na universidade e tinha uma fixação doentia por Gwen Stacy. Naturalmente, ele culpava o Homem-Aranha pela morte da garota e fez o que qualquer homem de coração partido faria: um clone de Gwen e Peter.
Então, se sucedem uma série de eventos atormentadores pro nosso amigão da vizinhança que, finalmente, se vê fisicamente obrigado a enfrentar sua dor e encarar o homem que ele considera responsável: si mesmo. É uma faceta interessante do personagem, a maneira como a morte, dor e culpa são os combustíveis de sua convicção para continuar ajudando as pessoas. Curiosidade: a Saga do Clone que você pensou é uma derivação desta, cuja premissa é que o clone de Peter criado pelo Chacal (que adotou o nome de Ben Reilly) continua vivo. Isto se arrastou por vários meses, e falhou por ter uma história fraca, malcontada, confusa e que subestima a capacidade do leitor. Esta Saga do Clone é considerada um dos piores episódios dos quadrinhos de todos os tempos.
9 - O Casamento do Homem-Aranha
9 - O Casamento do Homem-Aranha
O Aranha surgiu em 62 e teve vários amores curtos em sua vida. Apesar de Gwen Stacy ter tido uma passagem breve na vida de Peter, sua morte paradoxalmente lhe deu vida eterna entre os fãs do herói. Entretanto, não é só de morte e culpa que vive o pobre Peter Parker.
Um tempo depois da morte da loirinha, Peter e Mary Jane se uniram nos laços do matrimônio. A princípio, a revista é apenas uma história normal, na qual Peter sai na porrada com o Electro. Mas as coisas vão tomando forma quando os noivos ficam nervosos e cheios de medos. De qualquer jeito, o casamento durou vinte anos, de 1987 a 2007, e é um dos mais longos da história dos quadrinhos (junto com Reed Richards/Susan Storm, e Oliver Queen/Dinah Lance).
Mary Jane pondera sobre abandonar a vida de festas com playboys milionários para se casar com umsuper-herói; Peter reflete sobre o destino de Gwen, que morreu por estar envolvida com o Homem-Aranha, e tem medo de MJ ter o mesmo destino. O pior é que, justamente por isso, eles não podem falar com mais ninguém que não eles mesmos, sobre seus medos.
O nerd zoado da escola, enfim, se casou com uma supermodelo ruiva gostosona... Foi por isso que os editores decidiram encerrar a união: Peter sempre teve problemas com garotas, então não podia estar casado com uma supermodelo. É compreensível, mas o famoso azar de Peter não o deixa em paz nem além da Quarta Parede.
Mais uma morte na vida do pequeno Parker. Sempre que alguém se envolve com Peter, existe tragédia envolvida. Não há super-herói que aguente tamanha culpa. Nesse caso, a morte do capitão, pai de sua namorada, foi maior tragédia, depois da morte do Tio Ben, na vida de Peter. Isto porque Stacy havia de tornado uma figura paterna para o rapaz.
Em seu leito de morte, o policial revela que tinha conhecimento da identidade secreta de Parker, e o herói percebe mais uma vez que, mesmo que indiretamente, a morte de outra pessoa querida era sua culpa. Stacy implora ao rapaz que proteja sua filha, e ele mantém a promessa por diversos anos, até o Duende Verde vir esculhambar com tudo.
Vale observar que, originalmente nos quadrinhos, o pai de Gwen morre antes da filha; e que Gwen sempre culpou o Aranha pela morte de seu pai, diferentemente da adaptação mais recente para o cinema, “O Espetacular Homem-Aranha”.
Sem vilões nem super-reviravoltas. Esta short story, que foi brilhantemente adaptada em um episódio do clássico desenho de 1994 do Homem-Aranha intitulada “Faça um Desejo”, revela uma narrativa mais dramática e íntima, do tipo que, uma vez lida, nunca mais deixa sua memória.
Nesta história, o Homem-Aranha visita um garoto que coleciona todo tipo de material relacionado ao Aranha – fotos, notícias, manchetes e mais. Através das imagens e dos comentários infantis do menino, o leitor é relembrado da origem do super-herói, auxiliado por comentários pessoais do próprio Aranha.
O plot twist destruidor chega quando o Aranha tira a máscara pro garoto e revela ser Peter Parker, o fotógrafo. Por quê ele faria uma coisa dessas, nos perguntamos; justo ele, que é tão super-protetor com sua identidade secreta. Aí, nas última páginas, o Aranha se balança para longe do lar do garoto, e na placa se lê “Centro para Pacientes Terminais.”
Em um take memorável, o Aranha está sobre o muro do hospital, agachado, com a cabeça caída nas mãos, em pura agonia. Um exemplo clássico de um super-herói que tem tantos poderes incríveis mas é incapaz de salvar todo mundo; curiosidade: esse foco narrativo está presente na lendária graphic novel “Shazam: Power of Hope”, do Alex Ross.
Outro exemplo de um arco memorável do Aranha que foi magistralmente adaptado para a série animada. “A Última Caçada...” é uma das mais memoráveis histórias do Aranha, e dos quadrinhos em geral, de todos os tempos. É um daqueles eventos que transcende a Quarta Barreira – redefine os quadrinhos, redefine os personagens e redefine o jeito de contar histórias.
“A Última Caçada de Kraven” conta a história de Kraven o Caçador tentando completar seu desafio supremo – “matar” o Homem-Aranha, sua última presa. Depois de capturar o herói, Kraven desperta seu inimigo para que ele possa ver como ele está derrotado e humilhado. É interessante notar que o personagem principal da história é Kraven, e não o Aranha, embora sejamos agraciados com bons momentos dos recém-casados Peter e Mary Jane.
Aliás, Mary Jane tem de viver com a certeza de que Peter está morto durante duas semanas, seu primeiro grande desafio por estar casada com um super-herói. Quando volta, Peter mostra sua devoção à cidade ao abandonar sua esposa ruiva para capturar o assassino Vermin, que Kraven liberara na cidade.
O foco narrativo aqui é explorar as possibilidades de o que aconteceria se um vilão conseguisse derrotar seu arquiinimigo; e se Lex Luthor conseguisse matar o Superman? E se Magneto derrotasse os X-Men? Esse é o tipo de idéia explorada em “A Última Caçada de Kraven”. No final, nos sentimos esquisitos por termos nos emocionado tanto com um personagem que deveríamos odiar.
Apesar de ser um arco de 2010, nós, brasileiros, só o estamos recebendo agora. “Ninguém Morre” aparece nas páginas da edição de Agosto, do Homem-Aranha. É um conto de duas partes, que começa com a morte de Marla Jameson, a esposa de Jonah Jameson, agora prefeito de NY. O funeral é apresentado numa arte sensacional de Marcos Martin – takes silenciosos, expressões precisas, cores mortas. Mas a história se destaca quando, em casa, Peter dorme e tem um pesadelo atormentador, no qual é confrontado por todas as pessoas que ele falhou em salvar.
Há as aparições tradicionais do Tio Ben e dos Stacy, e as mais inesperadas de Oksana Systevich (esposa do Rhino) e Timothy Harrison (o garotinho de “O menino que colecionava o Aranha”). Não preciso nem falar que ‘Culpa’ é a palavra-chave aqui. Peter atravessa o plano dos sonhos tentando tirar algum sentido da zona em que colocou as pessoas que o conheceram. O clímax é quando ele encontra seus pais – tira a máscara e corre feliz, cheio de saudade; quando Richard e Mary se viram, eles não têm rosto; eles dizem que Peter mal se lembra dos pais porque o tio Bem os substitui.
Ele revive a noite em que Gwen morreu enquanto a menina fala com ele, com a cabeça pendurada pro lado, com o pescoço quebrado. A arte surreal do mundo dos sonhos é muito bem apresentada, com quadros de formatos diferentes e um redemoinho de loucura que realmente nos carrega para dentro da agonia de Peter. Só que, a pior parte, é saber que grande parte daquilo tudo é verdade.
A narrativa traça um paralelo interessante, uma meta-linguagem, sobre como, nos quadrinhos, os únicos que parecem voltar à vida são os supervilões. Ao final, Peter renova seus votos como super-herói sob um novo lema: a partir de agora, “ninguém morre”.
Quando criaram o Duende Verde, Stan Lee e Steve Ditko não tinham idéia de quem colocariam atrás da máscara. Foi neste arco em duas partes que Norman Osborn adquiriu a identidade secreta, um dos momentos mais cruciais em toda a vida do Aranha. Isto porque Peter se tornara recentemente colega de classe de Harry Osborn na universidade. Norman Osborn como o Duende Verde instantaneamente criou uma conexão pessoal com o personagem, que eventualmente se tornou o vilão mais popular do Homem-Aranha.
Mas, mais importante que isto, é que não é apenas o Duende Verde que tem a identidade revelada – mas o Homem-Aranha também. Pela primeira vez, o pior pesadelo de Peter se torna real quando um de seus inimigos descobre sua identidade secreta. A relação entre o Aranha e o Duende é alterada para sempre. A dupla adquire um laço inquebrável, que se tornaria essencial na vida de tragédias e culpas na carreira do Aranha.
3 – O Espetacular Homem-Aranha - a primeira história
Celebrar o filho sem celebrar a concepção é, no mínimo, injusto. O que podemos dizer sobre a manobra arriscada de Stan Lee e Steve Ditko que deslanchou tudo o que conhecemos? A primeira história cobre tudo o que sabemos do Aranha – Peter é um garoto nerd do colegial, um gênio da ciência que vai a uma exibição sobre radioatividade, onde é picado pela aranha irradiada; agora arrogante, Peter permite que um criminoso escape, o que causa a morte de seu tio. Da culpa e sofrimento, nasce o super-herói conhecido como Homem-Aranha. Em apenas 16 páginas, Stan Lee e Steve Ditko deram ao mundo uma das mais icônicas e trágicas histórias de todos os tempos.
Fiquei em dúvida entre algumas sagas para a medalha de prata. Carnificina Total, A Vingança de Venom, O Sexteto Sinistr, O Planeta dos Simbiontes e Homem-Aranha Nunca Mais foram candidatas em potencial, e qualquer uma delas poderia ter entrada na segunda ou primeira posição. São trabalhos excelentes, mas optei por “Se Este é Meu Destino” (If this be my destiny!, de 65) por uma razão diferente.
É um conto em três partes, nas edições 29 a 31 de “The Amazing Spider-Man” que é importante por uma série de aspectos: é nele que Peter Parkerse matricula na Universidade Empire State e, portanto, conhece Gwen Stacy e Harry Osborn, dois personagens que se tornariam centrais nas tramas do herói. E, também, esta história viria a se transformar no modelo que as aventuras do Aranha iam seguir no futuro. Tem literalmente tudo: Peter e seus problemas com mulheres (aqui, com Betty Brant), tia May em perigo, um vilão clássico num plano elaborado, Peter usando seus conhecimentos científicos pra salvar o dia e até Jonah Jameson esculhambando as fotos do garoto. Todos os elementos estão lá e o resultado é uma introdução alucinada à carreira do Aranha.
Mas não foi por isso que o selecionei para o segundo lugar. Pessoalmente, foi para resolver uma injustiça sempre cometida. Embora os quadrinhos sejam um meio de comunicação e uma forma de arte, o teor fundamental das revistas é quase sempre deixado de lado – os desenhos.
São sempre os roteiros que são celebrados – a história, a narrativa, as personagens, os twists... É verdade que uma revista com ótima história e desenhos razoáveis é muito melhor do que o contrário, mas quando as duas coisas se juntam temos um produto sensacional. Que é o caso aqui.
Nas páginas destas histórias, Steve Ditko desenhou uma das melhores narrativas de ação que você vai encontrar nos quadrinho. Não é só uma questão de traço, é uma mistura entre ritmo, talento e traço, com takes cinematográficos – muito incomuns à época – numa narrativa dramática.
Talvez você não conheça este arco pelo nome, mas certamente já viu sua cena mais emblemática: Homem-Aranha soterrado por escombros, tentando se libertar. É uma cena clássica, mas o sensacional foi como Peter foi parar ali (sem spoilers), reunindo forças para conseguir salvar a tia May da morte. Ditko estabeleceu um ritmo de storytelling que chegou à perfeição, que se tornou a marca-registrada de todas as histórias do Homem-Aranha.
1 – O Dia em que Gwen Stacy Morreu
Por que justamente esta em primeiro lugar, você deve estar se perguntando. Pare por um segundo e contemple a magnitude deste evento: alguém morreu nas páginas do gibi. E não estou falando das baixas estatísticas de civis por causa de um supervilão; não, uma personagem principal foi assassinada pelo Duende Verde. O eterno arquiinimigo do Homem-Aranha conseguiu destruir a vida de Parker. Pode não parecer grande coisa hoje, com gente morrendo e ressuscitando como se fosse respawn de jogo, mas Gwen Stacy morreu.
Talvez a morte de Gwen tenha sido mais importante do que a morte do Tio Bem; o tio criou o Homem-Aranha, mas foi Gwen quem definiu todo o caráter do super-herói. Pela primeira vez, Peter perde o controle e quase espanca o Duende até a morte. A cena foi tão chocante quanto o Coringa ter matado Jason Todd com um pé-de-cabra (embora tenha sido off-frame).
Peter percebe que a morte tem um significado, inclusive pros bandidos, que é a do julgamento final; um que ele é incapaz de fazer. Apesar de estar destruído pela morte de seu primeiro amor, Peter aprende que vingança não é uma solução.